O que leva alguém a revisitar o medo estampado no rosto de uma vítima, a dor de uma família e o silêncio de um caso mal resolvido? O gênero true crime não é apenas a tradução literal de “crime real”. É um gênero narrativo e jornalístico que transforma fatos concretos em histórias investigativas, sem romper com a realidade.
Mais do que satisfazer curiosidade mórbida, é uma lente sobre as falhas do sistema de justiça, sobre a complexidade do comportamento humano e sobre a urgência de dar voz a quem costuma ser silenciado. É também um instrumento para disputar memória, provocar reflexão e ampliar o debate público. Neste contexto, é importante entender o que é true crime.
Ao longo dos anos, muitos se perguntam: o que é true crime? Este gênero intrigante oferece não apenas entretenimento, mas uma reflexão profunda sobre a natureza humana e a sociedade.
Origens do True Crime: de baladas do século XVI a Truman Capote
Essa forma de contar histórias existe muito antes das plataformas de streaming. No século XVI, baladas orais e sermões de execução narravam crimes notórios, misturando fatos e interpretações morais. No século XIX, surgiram no Reino Unido os “romances de um centavo” (penny dreadfuls) — panfletos baratos e sangrentos, vendidos a preços populares, que misturavam ficção e crimes reais, tornando o crime um produto de massa.
No século XX, o escritor norte-americano Truman Capote (1924–1984) redefiniu o gênero com A Sangue Frio (1966), obra que investigou o assassinato de uma família no Kansas e inaugurou o romance de não ficção (non-fiction novel), combinando apuração jornalística minuciosa e técnicas narrativas da literatura.
True Crime no Brasil: do rádio à TV e ao streaming
Muito antes da era digital, o Brasil já produzia e consumia narrativas de crimes reais. O cinema, ainda nos anos 1930, retratou crimes inspirados em fatos, como no filme silencioso O Mystério do Dominó Preto (1931), de Cleo de Verberena (Jacyra Martins da Silveira), com base em novela de Martinho Corrêa. Ela foi a primeira mulher a dirigir um longa no Brasil. Na TV, precursores como Jacinto Figueira Jr. apresentaram O Homem do Sapato Branco nos anos 1960, levando para a tela entrevistas e casos policiais.
A partir dos anos 1970, Gil Gomes marcou gerações narrando crimes no rádio com entonação dramática e presença cênica. Nos anos 1990, programas como Aqui Agora transformaram a cobertura policial em fenômeno popular, e, entre 2000 e 2007, o Linha Direta, da TV Globo, reconstituiu crimes e ajudou na captura de mais de 400 foragidos. Esse formato mostrou seu potencial para mobilizar a população, mas também revelou riscos: a espetacularização da violência, a exposição excessiva de vítimas e a indução ao justiçamento.
Podcasts e séries de True Crime que marcaram o Brasil
A partir da década de 2010, o gênero se expandiu para documentários de crimes reais, podcasts e produções de streaming. Séries como Bandidos na TV, João de Deus: Cura e Crime, Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez e o Caso Evandro, do Projeto Humanos, mostraram que é possível unir apuração rigorosa, narrativa envolvente e relevância social.
Nesse cenário, o Brasil também viu surgir podcasts que se tornaram referências no gênero: A Mulher da Casa Abandonada, apresentado por Chico Felitti; Quinta Misteriosa, de Jaqueline Guerreiro; 1001 Crimes, com Jessica Gomes, Bruna Roberta e Fabi Marques; Café com Crime, que aborda casos brasileiros em tom mais descontraído; Modus Operandi, comandado por Carol Moreira e Marina Bonafé; Praia dos Ossos, de Branca Vianna, que reconstitui o caso Ângela Diniz; e o próprio Projeto Humanos, de Ivan Mizanzuk, com temporadas como O Caso Evandro. Essas produções mostram como o formato pode ser versátil, indo de investigações densas a análises narrativas acessíveis.
Por que consumimos True Crime? Fascínio, medo e empatia
Segundo pesquisa do Ibope em 2020, o true crime estava entre os formatos mais ouvidos em podcasts no Brasil, e o Spotify registrou aumento de 56% no consumo da categoria. O público, hoje, participa mais ativamente, seja compartilhando informações em redes sociais, seja investigando por conta própria.
Riscos do True Crime: entre o sadismo coletivo e o populismo penal
Esse envolvimento, no entanto, pode ter um lado sombrio: há o risco do “sadismo coletivo” — quando a curiosidade sobre crimes se mistura ao desejo de punições rápidas e exemplares, alimentando o populismo penal e enfraquecendo garantias de devido processo legal.
Por que as pessoas consomem True Crime
O fascínio pelo gênero é multifacetado:
Busca por respostas e justiça em casos não resolvidos ou percebidos como injustos.
Interesse pelo funcionamento da mente criminosa e pelos bastidores de investigações.
Sensação de segurança e controle, acreditando-se mais preparado para identificar riscos.
Conexão emocional com vítimas e familiares, criando empatia e engajamento.
True Crime Ético: como diferenciar jornalismo sério de sensacionalismo
A diferença entre o true crime ético e o sensacionalismo está na finalidade.
Conteúdo responsável investiga, contextualiza e explica, sem reduzir tragédias a entretenimento barato.
Um true crime ético exige:
Respeito à dignidade das vítimas e famílias.
Contextualização histórica e social.
Cautela na exposição de dados e imagens sensíveis.
Checagem rigorosa de informações.
Produções que seguem esses princípios contribuem para o debate público, ajudam a corrigir injustiças e preservam memórias que poderiam ser esquecidas.
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