Summary
Um caso de true crime sob o sol de Marbella. O rapper sueco Hamko foi executado à queima-roupa. Mergulhe na história que conecta gangues, traição e lavagem de dinheiro no Spotify.
Sol a pino. Barulho preguiçoso de uma tarde de luxo. Tilintar de copos em um bar à beira mar. Mas aquele não era um som de paz. Era o prelúdio de um true crime. Eram 14h30 de uma sexta-feira (3/10/25) na Avenida José Banús, Puerto Banús, o coração pulsante de Marbella, Espanha. Um homem de 25 anos, vestido com a displicência de quem está de férias, falava ao telefone. Cigarro em uma mão, o celular na outra. O sol da Costa del Sol batia em seu rosto. Para o mundo, ele era Hamza Karimi. Para a cena do gangsta rap sueco, ele era Hamko. Para o atirador que se aproximava, ele era apenas um alvo.
O que se seguiu foi uma cena de true crime em sua forma mais brutal e cinematográfica, capturada por uma câmera de segurança que não pisca. Um segundo homem, com roupas de inverno, surge do outro lado da rua. Ele não corre. Ele caminha com uma calma. Esconde-se brevemente atrás de uma van, saca a arma da bolsa e, sem hesitar, abre fogo. Mais de dez tiros.
O som rasga a tarde de Marbella. Hamko cai, rola no chão em uma tentativa desesperada de usar um sofá como escudo, levanta-se cambaleando e busca refúgio dentro do bar. Seu assassino, um cidadão sueco de origem afegã, 38 anos, simplesmente se vira, entra em um carro e desaparece. Um sicário profissional em sua frieza, mas um amador em sua fuga: o carro, com sua inconfundível placa de matrícula sueca, seria localizado minutos depois. Horas mais tarde, no Hospital Costa del Sol, Hamza Karimi estava morto.

O assassinato de Hamko não é apenas mais um capítulo sangrento na história do crime organizado europeu. É o clímax de uma tragédia em três atos, uma saga de true crime que conecta os subúrbios violentos de Estocolmo, as praias luxuosas da Espanha e as playlists milionárias do Spotify. Para entender por que Hamko morreu sob o sol de Marbella, é preciso mergulhar na escuridão de sua vida e na complexa teia de alianças e traições que define o moderno crime organizado.
Quem era Hamza Karimi?

Para a lei, Hamza Karimi era um criminoso condenado. Em março de 2020, ele atirou várias vezes no abdômen de um adolescente de 14 anos, um ato que marcou sua ficha criminal e pelo qual cumpriu pena recentemente. Ele estava em Marbella, supostamente, para celebrar sua recém-adquirida liberdade. Mas a liberdade, no universo do true crime, é muitas vezes uma ilusão passageira.
Para a mídia sueca, Hamko era uma figura do ambiente do crime organizado de Estocolmo, um soldado em uma guerra de gangues rivais pelo controle do narcotráfico. Ele vivia sob ameaça constante, uma realidade tão presente que ele mesmo a transformou em músicas. Em uma delas , ao lado de seu amigo Einar, ele cantava: “Não entre em pânico se levar um tiro”. A frase, hoje, soa menos como uma bravata e mais como uma profecia.
Mas para entender a pessoa por trás do personagem, é preciso voltar a Dalen, no sul de Estocolmo. Um bairro marcado pela presença de gangues, mas também um berço de talentos musicais. Foi lá que Hamko cresceu ao lado dos também rappers Nils “Einar” Grönberg e Mariam “Mariachi” Jallow. Em 2019, os três, jovens e cheios de ambição, apareceram juntos no videoclipe da música “Nu vi skiner” (Agora Nós Brilhamos). O vídeo era um registro de sua ascensão, um sonho de sair das ruas e conquistar o mundo através da música.
Hoje, os três estão mortos.

Einar, o mais famoso do trio, com mais de 230.000 seguidores e prêmios na indústria musical, foi executado a tiros em outubro de 2021, aos 19 anos. Mariachi foi morto em um tiroteio em 2022, com apenas 18 anos. E agora, Hamko, aos 25. A história deles é um conto de advertência, um doloroso exemplo de como, no mundo do gangsta rap, a linha entre a arte que imita a vida e a vida que devora a arte é perigosamente tênue. Este não é um caso isolado; é um padrão, uma epidemia de violência que assola a cena do true crime na Suécia.
A Conexão Spotify e a Guerra Fria em Marbella
O assassinato de Hamko em plena luz do dia confirma uma realidade que as forças de segurança espanholas temem há anos: a Costa del Sol tornou-se o “escritório de verão” das gangues criminosas nórdicas. A ironia é quase palpável. Apenas um dia antes do tiroteio, o comissário de Marbella, José Manuel Rando, fazia uma avaliação “positiva” da segurança local, elogiando a resposta “imediata e eficaz” a incidentes isolados. A execução de Hamko na tarde seguinte não foi apenas um crime; foi uma resposta brutal e debochada a esse otimismo oficial.
E é aqui que a história se torna ainda mais complexa, quando se analisa o ecossistema financeiro por trás dessas gangues. Investigações do jornal sueco Svenska Dagbladet revelaram em 2023 um esquema sofisticado que conecta o true crime à indústria da música digital. Organizações criminosas estariam usando plataformas como o Spotify para lavar dinheiro.
O mecanismo, segundo as fontes, é engenhoso:
- Promoção de Artistas: Gangues promovem seus próprios artistas de gangsta rap.
- Fraude de Streaming: Usando dinheiro sujo, compram criptomoedas (Bitcoin) para financiar “fazendas de cliques” que geram milhões de streams falsos para as músicas.
- Lavagem de Dinheiro: As músicas sobem artificialmente para o topo das paradas. O Spotify, então, paga os royalties por esses streams “legítimos”. O dinheiro do crime, agora “limpo”, retorna para a organização.
Este fenômeno cria um ciclo perverso: a violência real nas ruas alimenta as letras do gangsta rap, que por sua vez gera receita legítima que financia mais violência. É uma fusão macabra de violência de rua com crime de colarinho branco digital. A morte de Hamko pode muito bem ser o resultado de uma disputa nesse mercado, onde um contrato rompido ou uma dívida não paga é resolvida com balas, não com advogados.
Um legado de silêncio
Enquanto o corpo de Hamza Karimi era levado para o necrotério em Marbella, membros de uma gangue rival comemoravam nas redes sociais com emojis de caveiras e foguetes. A rápida prisão do atirador pela polícia espanhola foi elogiada na Suécia, gerando um debate amargo sobre a impunidade em seu próprio país, onde os assassinos de Einar e Mariaci ainda não foram levados à justiça.
A história de Hamko, Einar e Mariachi é mais do que um caso de true crime. É um retrato de uma geração perdida, talentosa e amaldiçoada, que brilhou intensamente por um breve momento antes de ser consumida pela mesma violência que narrava em suas canções. A avenida ensolarada de Marbella, naquele 3 de outubro, não foi apenas uma cena de crime. Foi o palco final de uma tragédia anunciada, onde a trilha sonora de um sonho se transformou, em um instante, no som ensurdecedor do silêncio. Um silêncio pesado, feito de perguntas não respondidas e de uma ausência que, agora, grita mais alto que qualquer refrão.